Tinariwen—O Rock Rebelde dos Nômades Tuaregues do Saara

O grupo Tinariwen. Ibrahim Ag Alhabib, criador do grupo, no centro com seus cabelos soltos (Foto: Marie Planeille; Reprodução/Internet)

Criado e liderado por Ibrahim Ag Alhabib, o grupo musical Tinariwen é “rock rebelde” em essência. Seus membros lutaram na rebelião tuaregue nos anos 90 no Mali e, desde 2000, sua música vem transcendendo as areias do Saara.

Tinariwen já se apresentou nos festivais Glastonbury (Pilton, Inglaterra), Coachella (Califórnia), Back2Black (Rio de Janeiro), e arrasou em um show na House of Blues, a lendária casa de shows de Nova Orleans. Sua lista de fãs inclui Bob Dylan, Bono Vox, Robert Plant, Coldplay e Carlos Santana.

Em 2012 em Hollywood, a banda recebeu o seu primeiro prêmio Grammy de melhor álbum do gênero World Music. Tinariwen tornou-se o primeiro grupo da África do Norte a receber o prêmio.

A banda Tinariwen é formada por nômades tuaregues do norte de Mali, na região do deserto do Saara. Os tuaregues habitam o deserto por milênios e fazem parte do grupo Berbere, um conjunto de povos da África do Norte que compartilha a língua berbere—que somam um total de 25 a 26 línguas.

Na cultura tuaregue, o Saara não é somente um, mas vários desertos. O nome do grupo, Tinariwen, é simplesmente o plural da palavra ‘ténéré’, que significa “deserto,” “terreno,” ou “espaço vazio”.

Através de uma combinação eclética que mistura as influências de artistas como Santana, Jimi Hendrix, e Bob Marley com a música nômade tradicional, o som que o Tinariwen produz foi batizado de “blues do deserto”—muito embora o grupo denomine seu som como “música de guitarra”, já que por vezes eles utilizam até 6 guitarras. As guitarras e o balanço rítmico hipinóticos que acompanham a voz de Ibrahim Ag Alhabib, o líder do grupo, levou um crítico estadunidense a escrever que a música do Tinariwen, “move como uma tempestade de areia”.




Nós retornamos às nossas tradições ancestrais da música entre amigos junto a fogueira”. Tinariwen, em entrevista de 2011 (Exberlinder)


Muito embora sua música nos remeta ao blues, Larry Rohter do The New York Times, em 2011, explicou que
[O]s membros da banda preferem falar sobre assuf, um sentimento de sua própria cultura e da língua tamaxeque que descreve uma sensação de dor espiritual, uma ânsia ou nostalgia e próprio vazio do deserto. Isso, eles reconhecem, cria um certo tipo de parentesco com o ‘blues’ do Mississípi e de Chicago.

Em uma entrevista de julho de 2011 para o site Exberlinder, perguntados sobre a categorização de seu som como “blues”, o Tinariwen respondeu:
Nós chamamos nossa música de Assuf (melancolia). Melancolia existe no blues dos Estados Unidos, na ‘saudade’ brasileira, no fado português, na morna de Cabo Verde. Onde houver pessoas sofrendo este sentimento será encontrado. Ou talvez estejam nos comparando ao blues porque nós tocamos guitarra?

Tinariwen é em essência o rock ‘rebelde’

A banda foi formada em 1979 por Ibrahim Ag Alhabib que construiu sua primeira guitarra—usando uma lata, uma vara e freio de bicicleta—após assistir um filme de bang-bang no qual o cowboy tocava guitarra. Ainda menino, Ibrahim testemunhou a execução de seu pai que ajudava os rebeldes tuaregues durante o levante em Mali de 1963—três anos após o país tornar-se independente da França. Os tuaregues sentiram que o novo país não era nada melhor do que o antigo país colonizador, por ainda controlar suas vidas no deserto.

Em setembro de 2011, no palco do El Rey Theatre em Los Angeles, Flea and Josh Klinghoffer do grupo Red Hot Chili Peppers, se uniram ao Tinariwen na música “Cler Achel”:



Ibrahim cresceu em um campo de refugiados no deserto próximo da Argélia. Naquelas condições difíceis, Ibrahim conheceu seus companheiros na música, também tuaregues em exílio que se tornaram refugiados nômades. Ainda nos campos de refugiados, Ibrahim ganhou sua primeira guitarra de verdade e com os seus companheiros ele começou a escrever músicas sobre a luta do povo nômade.

Em uma de suas primeiras composições, “Soixante Trois” Ibrahim falou sobre os seus dias após o fracassado levante tuaregue de 1963:
“1963 se foi, mas retornará
Aqueles dias deixaram suas marcas
Eles mataram o idoso e a criança recém nascida
Eles se abateram sobre as pastagens e eliminaram o gado…
1963 se foi, mas retornará”

Quase como uma profecia, duas ondas de seca e fome ocorreram no Saara nos meados dos anos 70 e nos anos 80. Desempregados e desesperados, muitos dos tuaregues foram para a rica Líbia. Nos anos 80 os músicos do Tinariwen atenderam o chamado de Muammar al-Gaddafi, que em um decreto convidou jovens tuaregues vivendo ilegalmente na Líbia a receberem treinamento militar.
“A Líbia usou o desespero do Ishumars [jovem desempregado] nos anos 80 e 90. Quando você é rejeitado em todas as regiões, você fica feliz quando é acolhido com boas vindas, mesmo que não seja pelas melhores razões. Hoje, os países ocidentais olham seus interesses em primeiro lugar, exatamente como Gaddafi. Nada é totalmente branco e preto”. Tinariwen em entrevista de 2011 (Exberlinder)

O poeta tuaregue conhecido como Japonais, às vezes membro do Tinariwen, fala sobre aqueles anos na Líbia em “Ahimana” (“Oh Minha Alma”):
“Querida mãe, desde o momento que eu parti para a Líbia em passos pacientes
Eu cheguei mas venho me sentindo sem direção
Busco, seja como for, pelo dinheiro que precisoMas ele se recusa acumular”

Nos anos 90, seguindo a previsão de Ibrahim em “Soixante Trois”, uma nova revolta tuaregue é iniciada e, agora militarmente treinados na Líbia, os músicos do Tinariwen se juntaram aos revolucionários para libertação do Mali, país que os perseguiu e os colocou em exílio por décadas. Ao mesmo tempo em que lutavam, eles faziam a música da rebelião e as gravavam para aqueles que tivessem uma fita cassete em branco. Aquelas fitas, subsequentemente, passaram de mão em mão por toda a região do Saara. As músicas do Tinariwen não apenas celebraram a luta, mas ajudaram a fomentá-la.

A letra de “Tamatant Tilay” (“A Morte Está Aqui”), que o membro do Tinariwen, Alhassane Ag Touhami, escreveu em 1983, diz:
“Deixe o sangue ferver se ele realmente estiver em suas veias
Ao amanhecer, pegue suas armas e vá para o topo dos montes
Mataremos nossos inimigos e nos tornaremos como as águias
Libertaremos todos os que vivem nas planícies”

“Para mim foi muito difícil durante a rebelião”, disse Ibrahim. “Mas ajudou a me curar. Eu esqueci tudo, até mesmo a morte do meu pai. Foi como uma terapia”. Em “Chatma”, ele canta
“O fogo vem queimando por muito tempo
Em nossos sonos perdidos
Pelos animais queimados e os mortos envelhecidos
Nos portões de Kidal devemos nos reunir
E lutar
Tão forte quanto você puder
Você queimará em seu próprio fogo”

Em 1992 o governo de Mali assina um acordo de paz com os rebeldes tuaregues, e os dias de luta do Tinariwen chegam ao fim. Internamente, os tuaregues entraram em conflitos, tribalismo e criação de facções, muitas delas criadas através de táticas do governo. Nesse momento o Tinariwen começa a cantar temas de união dos tuaregues, como em “Toumast”(“O Povo”):
“Um povo dividido nunca alcançará seu objetivo
Nunca cultivará um pé de acácia de lindas folhas
Um povo dividido andará à deriva
Cada parte sua se tornará um inimigo em si mesmo”

Nessa época o grupo abraçou a ideia de preservação da tradição que define os tuaregues, principalmente a língua tuaregue, ou tamaxeque, que foi constantemente reprimida nos locais onde os tuaregues vivem. Vale mencionar que o grupo grava suas músicas primordialmente na língua tamaxeque, e às vezes, em francês. Como o próprio uso da guitarra em sua música—instrumento que não faz parte da tradição tuaregue—, o Tinariwen pregou a preservação das tradições ao mesmo tempo pregando o acolhimento ao progresso e as novas ideias. Essa posição do grupo é ilustrada em “Kel Tamashek”:
“Povo tamaxeque, abram seus olhos
Povo tamaxeque, acordem
Estamos em um mundo que se move rápido
Aquele que não presta atenção estará perdido”

Na virada do milênio, tendo chamado a atenção de um produtor musical francês, o grupo começou a sentir o sucesso internacional.

O Tinariwen incluiu jovens músicos tuaregues no grupo o que deu um toque multigeracional ao som da banda. Devido a dificuldade de transporte no deserto, a formação da banda é raramente a mesma, seja nas turnês internacionais ou mesmo no estúdio. O grupo se apresenta em diversas combinações em seus shows, de certa forma espelhando o estilo nômade de ser.

Com um trajeto tão singular, os membros do Tinariwen também já foram apropriadamente descritos como “os verdadeiros rebeldes musicais”, e como “rebeldes do rock cuja rebeldia, pra variar, não é apenas metafórica”.

Os membros ativos das turnês do Tinariwen são: Ibrahim Ag Alhabib, guitarra solo e vocais; Alhassane Ag Touhami, guitarra e vocais; Abdallah Ag Alhousseyni, guitarra acústica e vocais; Eyadou Ag Leche, contrabaixo, guitarra acústica, calabash, vocais e back vocal; Said Ag Ayad, percurssão e back vocal; Elaga Ag Hamid, guitarra e back vocal; Abdallah Ag Lamida (“Intidao”), guitarra e back vocal; Mohammed Ag Tahada, percussão; Yad Abderrahmane, guitarra e vocais.

Ex-membros e membros que não participam das turnês: Inteyeden Ag Ablil (falecido), guitarra e vocais; Mohammed Ag Itlale (conhecido como “Japonais”), guitarra e vocais; Keddou Ag Ossad, guitarra e vocias; Liya Ag Ablil , guitarra rítmica e vocais; Sweiloum, guitarra e vocais, Foy Foy, guitarra e vocais, Abouhadid, guitarra e vocais; Wonou Walet Sidati, vocais; Kesa Ag Hamid, vocais; Mina Walet Oumar, vocais; Wonou Walet Oumar (falecido), vocais.

Visite a página do Tinariwen.

c&p

Fonte: The New Yorker; MessyNessy; Exberlinder; Live for Live Music; Rolling Stone Magazine; Wikipédia.

4 comentários:

  1. Sou brasileira,mais amo essa música,amo esse povo,gosto dessa melodia.

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  2. Descobri o Tinariwen por um desses acasos transcendentais que nos levam ao caminho devido, quando precisei buscar pormenores sobre a morte de Gaddafi - sou professora de História e não ensino apenas a superfície dos fatos. Desde que soube da questão dos tuaregues que lutaram com Gaddafi e que fizeram da música um instrumento contra os opressores, me tornei mais que fã: sou seguidora de sua filosofia de vida e concepção de mundo. Como desde menina me sentia atraída pelos "beduínos" dos filmes, sempre me senti ávida por uma liberdade sem freios nem limites, exceto os da consciência ética, e tenho paixão profunda pelos mistérios do Deserto, acredito que sou uma alma beduína peregrina que veio dessa vez militar pelos brasileiros, mas não vê a hora de voltar para as imensidões desérticas do Sahara e para as alegres reuniões com suas almas irmãs. O Deserto me chama e eu vou.

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